terça-feira, 8 de junho de 2010

Princípio do Devido Processo Legal

O devido processo legal é o princípio constitucional que assegura a todos o direito a um processo justo e com todas as regras previstas em lei, bem como todas as garantias constitucionais.
É considerado o princípio fundamental do processo civil, tendo em vista que dele derivam todos os demais princípios.
A expressão devido processo legal é oriundo do direito anglo-saxão “due process of law”. Foi originado na Carta Magna de João Sem Terra em 1215, e representava uma garantia contra os abusos da coroa inglesa.
No Brasil o princípio do devido processo legal vem consagrado no artigo 5º, incisos LIV e LV, da Constituição Federal.
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Em relação ao referido dispositivo constitucional, José Afonso da Silva comenta:
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O princípio do devido processo legal entra agora no direito constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta Inglesa: ’ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal’ (art. 5º, LIV). Combinando com o direito de acesso à Justiça (art. 5º XXXV), o contraditório e a plenitude de defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais.

Nelson Nery Junior leciona que o princípio do “due process of law” caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade:

Genericamente, o princípio do due process of law caracteriza-se pelo trinômio vida-liberdade-propriedade, vale dizer, tem-se o direito de tutela àqueles bens da vida em seu sentido mais amplo e genérico. Tudo que disser respeito à tutela da vida, liberdade ou propriedade está sob a proteção da due process clause.
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Devemos ressaltar que em nome dos direitos fundamentais do individuo, o conceito de “devido processo” foi modificado, com o passar do tempo, pela doutrina e jurisprudência, a fim de aumentar a abrangência do dispositivo e permitir uma interpretação com a maior amplitude possível.
A cláusula do “due process of law” não se manifesta somente na tutela processual, estando também inserido no contexto do direito material, ou seja, tem aspecto substancial.
Em relação ao aspecto substancial esclarecemos que o referido princípio está presente em todos os campos do direito, conforme leciona Nelson Nery Junior:

No direito administrativo, por exemplo, o princípio da legalidade nada mais é do que manifestação da cláusula substantive due process. Os administrativistas identificam o fenômeno do due process, muito embora sob outra roupagem, ora denominando-o de garantia da legalidade e dos administrados, ora vendo nele o postulado da legalidade. Já se identificou a garantia dos cidadãos contra os abusos do poder governamental, notadamente pelo exercício do poder de polícia, como sendo manifestação do devido processo legal.
No direito privado prevalece o princípio da autonomia da vontade com a conseqüente liberdade de contratar, de realizar negócios e praticar atos jurídicos. Podem ser praticados quaisquer atos, mesmo que a lei não os preveja, desde que não atentem contra as normas de ordem pública ou contra os bons costumes: o que não é proibido é permitido. É o que se denomina de princípio da atipicidade dos negócios jurídicos privados. No direito administrativo isto não se pode verificar: a administração somente pode agir secundum legem, vale dizer, não pode praticar atos nem celebrar negócios jurídicos atípicos: somente o que é permitido pela lei pode ser objeto da atividade administrativa.
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Quanto ao sentido processual da expressão due process of law, (procedural due process) mencionamos que o significado é mais restrito do que o devido processo material, sendo que a doutrina dá o nome de devido processo.
O procedural due process caracteriza-se pela norma de respeito ao procedimento previamente regulado pela lei.
Portanto, o devido processo legal processual possibilita à parte litigante o acesso à justiça, seja como autor ou réu, de modo a possibilitar os mais amplos meios de deduzir a pretensão ou defesa.
Lembramos que o devido processo legal, em matéria processual, garante o direito à citação, a igualdade das partes, a proibição de prova ilícita, ao contraditório, a imparcialidade do juiz, a ampla defesa, ao duplo grau de jurisdição, ao julgamento rápido e a todos os demais direitos assegurados para o regular e justo andamento do processo judicial ou administrativo.
No que tange ao devido processo, Nelson Nery Junior leciona:

O devido processo (processo justo) pressupõe a incidência da isonomia; do contraditório; do direito à prova; da igualdade de armas; da motivação das decisões administrativas e judiciais; do direito ao silêncio; do direito de não produzir prova contra si mesmo e de não se auto-incriminar; do direito de estar presente em todos os atos do processo e fisicamente nas audiências; do direito de comunicar-se em sua própria língua nos atos do processo; da presunção de inocência; do direito de duplo grau de jurisdição no processo penal; do direito à publicidade dos atos processuais; do direito à duração razoável do processo; do direito ao julgador administrativo e ao acusador e juiz natural; do direito a juiz e tribunal independentes e imparciais; do direito de ser comunicado previamente dos atos do juízo, inclusive sobre as questões que o juiz deva decidir ex officio, entre outros derivados da procedural due process clause.
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O Supremo Tribunal Federal já manifestou sua preocupação à guarda do princípio do devido processo legal:

Recurso Extraordinário – Princípio da legalidade – Devido processo legal. Se de um lado não se pode alçar a dogma a visão pretérita de que a transgressão à Carta, suficiente a impulsionar o extraordinário, há que ser direta e frontal, de outro não se pode tomar as garantias constitucionais previstas nos incisos II e LV do art. 5º da Carta de 1988 como meio hábil, uma vez evocadas, ensejar a análise, pelo STF, de normas estritamente legais, tornando-o uma Corte simplesmente revisora. Caso a caso, deve-se perquirir da ofensa às citadas garantias, mesmo que isso demande a análise dos parâmetros legais revelados no acórdão que se pretende ver reformado. Cumpre ao STF agir com a necessária flexibilidade, no que voltado à guarda do respeito aos citados princípios.
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O princípio do devido processo legal constitui um princípio fundamental onde estariam contidos todos os demais princípios processuais, significando o conjunto de garantias constitucionais que asseguram às partes o amplo exercício de seus direitos.
Entendemos que o amplo exercício de seus direitos é assegurado com a finalidade de se obter um processo justo, ou seja, com tratamento isonômico e com contraditório equilibrado, a fim de se buscar um resultado efetivo e em harmonia aos princípios e regras processuais.
[1] Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:
(...)
LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios de recurso a ela inerentes;
[2] AFONSO DA SILVA, José. Comentário Contextual à Constituição. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p.154.
[3] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.79.
[4] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.83.
[5] NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal, 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.91.
[6] STF, AgRg no AI 149.619-DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 24.9.1993, RTJ 150/921.