segunda-feira, 6 de julho de 2009

Decretação de ofício da prescrição

O pronunciamento de ofício da prescrição corresponde a uma das mais importantes novidades criadas pela Reforma do Processo Civil, através da Lei nº 11.280/2006, que provocou uma mudança radical em um dos mais antigos institutos do mundo jurídico.
O art. 3º da Lei nº 11.280/06 que alterou o parágrafo 5º, do CPC passando à seguinte redação: O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.”
Com a nova redação do art. 219 do CPC o legislador concedeu ao juiz o poder de decretar, de ofício, a prescrição, no entanto, ao não retirar do devedor a faculdade da renúncia, tornou o instituto totalmente incoerente, ou seja, assistemático.
Conforme acima mencionado, a alteração legislativa fez desaparecer uma das clássicas diferenças da prescrição com o instituto da decadência.
A decadência atinge o próprio direito e é passível de argüição de oficio pelo magistrado, sendo matéria de ordem pública, pois o interesse defendido ultrapassa o da outra parte, pertencendo à própria sociedade, que corre o risco de ferir a segurança jurídica e a paz social.
A prescrição, entretanto, atinge a pretensão do direito, de cunho patrimonial e que não tem relevância para a ordem pública, ou seja, a pessoa continua a ter o direito, mas não poderia buscar a tutela jurisdicional do Estado para resolver aquela questão, razão pela qual, sempre foi tida como matéria de defesa da outra parte.
A decretação de ofício da prescrição no campo dos direitos patrimoniais é contrária a história do instituto, não só no direito brasileiro, mas também em outros ordenamentos jurídicos que vedam categoricamente o reconhecimento ex officio da prescrição.
No Código Civil italiano, art. 2.938, reza expressamente que: “il giudice non può rilevare d’ufficio la prescrizione non opposta”.
No Código Civil português, art. 303: “o tribunal não pode suprir, de oficio, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de ser invocada, judicial ou extrajudicialmente por aquele a quem aproveita, pelo seu representante ou, tratando-se de incapaz, pelo ministério público”.
O Código Civil argentino, no artigo 3.964 assim dispõe: “El juez no pudere suplir de oficio la prescripción”.
O Advogado e Professor, Alexandre Freitas Câmara, argumenta veementemente sobre a incoerência atual do instituto da prescrição, mencionando que esse fato contraria três valores constitucionalmente assegurados: isonomia, adequação, segurança jurídica. Entende também que a inconstitucionalidade da norma também ocorre porque ela invade desnecessariamente a autonomia da vontade, corolária da garantia constitucional da liberdade.
Fazendo uso desse entendimento, não nos parece razoável que um juiz possa decretar de ofício a prescrição se o prescribente não quer que lhe aproveite. Logo, restaria violado o princípio constitucional de liberdade (autonomia da vontade).
Ainda em relação a inconstitucionalidade da norma, não podemos deixar de mencionar sobre o princípio do contraditório (art. 5º, LV, da CF), que será violado, caso o juiz conheça de oficio a prescrição sem dar a oportunidade das partes se manifestarem a respeito.
Portanto, se o juiz entende ter decorrido o prazo prescricional e as partes nada falaram a respeito, deve ele, dar essa oportunidade, pois o poder do juiz de conhecer uma matéria de ofício não lhe autoriza a dispensar o contraditório.
O Professor Carlos Scarpinella Bueno, em sua obra, Curso Sistematizado de Direito Processual Civil, 2ª ed., vol. 2, deixa expresso que a apreciação oficiosa da prescrição não deve ser admitida, pois o juiz prescindiria do estabelecimento do prévio contraditório.
Argumenta ainda sobre a possibilidade de haver alguma peculiaridade no caso que interfira na consumação da prescrição, por exemplo, nos caso de suspensão ou interrupção (arts. 197 e 205 do Código Civil), ou mesmo em caso de renúncia do interessado (arts. 191 e 940 do Código Civil).
Grande parte da doutrina entende que a alteração da norma viola o princípio do contraditório e que a nova legislação tornou o sistema incoerente, tendo em vista que passa a admitir que o juiz conheça de oficio a prescrição, mas continua a permitir que a mesma seja objeto de renúncia.
Todos sabemos que a intenção do legislador foi solucionar as pilhas e pilhas de processos que avolumam as prateleiras do Poder Judiciário, eis que o juiz poderá, verificada a prescrição, decidir rapidamente, desafogando o trabalho.
No entanto, não devemos esquecer que a prestação jurisdicional do Estado não tem qualquer relação com a efetiva entrega da tutela jurisdicional, pois há muito tempo o Judiciário tem-se preocupado mais com a quantidade de sentenças que profere do que com sua qualidade, e isso pode ser facilmente percebido nas estatísticas, onde não se tem um estudo sério sobre a qualidade.
Entendemos que a decretação, de ofício, da prescrição não deve ser admitida sem antes o juiz propiciar o contraditório e ampla defesa; observar as hipóteses de interrupção e suspensão da prescrição; verificar a hipótese de renúncia expressa ou tácita e ainda, em caso de direito patrimonial disponível, tentar a conciliação, objetivando a pacificação do conflito.
A prescrição sempre foi tratada como matéria de defesa do devedor, eis que fundada em uma tradição histórica de que as obrigações nasceram para serem cumpridas e a inadimplência manchava o nome do devedor junto a coletividade, sendo que a lei material e a lei processual inibiam a decretação de ofício da prescrição de direitos patrimoniais, aguardando uma atitude honrosa do devedor. Logo, a obrigação inexigível, acaso adimplida, resgataria a honrabilidade pessoal do devedor.
Portanto, ao aceitarmos a possibilidade do pronunciamento ex officio da prescrição, nos moldes do parágrafo 5º, do art. 219, do CPC, estaríamos sendo condizentes com a violação de interesses legítimos, tanto do credor quanto do devedor, ou seja, estaríamos privando-os do livre exercício de direitos materiais e ainda, negando-lhes o contraditório e ampla defesa.
Arnaldo Varalda Filho

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